Em busca de um Natal diferente

A convite da Associação Universidade da Paz de Minas Gerais – Unipaz-MG, que realiza mensalmente, em Belo Horizonte, os Encontros pela paz, o grupo Consciência e Consumo do Centro de Ecologia Integral - CEI aceitou coordenar o Encontro pela paz sobre o tema “Paz, consciência e consumo” com o desafio de pensar em formas de se fazer um Natal diferente. Desta forma, o Encontro pela paz foi realizado um mês antes do Natal, em 25 de novembro de 2012, em Belo Horizonte.

Num primeiro momento fizemos uma síntese coletiva das principais ideias e conceitos que orientam os cursos e práticas da Unipaz e que contribuem com o tema do Encontro.

A simplicidade voluntária e o conforto essencial, abordados principalmente no seminário “A arte de viver em paz”, da Unipaz, trazem importantes referências ao processo de escolha, pessoal e voluntária, em direção a uma vida mais simples e menos consumista.

A vivência da "experiência culminante" proposta pelo psicólogo A. Maslow é uma grande oportunidade de revivermos momentos de verdadeira felicidade em nossa vida e fazer uma constatação pessoal com relação ao ter e ao ser, no ponto de vista de uma vida feliz.

A presença e a consciência no nosso cotidiano, trabalhadas principalmente no seminário “A arte de viver consciente”, da Unipaz, trazem uma proposta de vida que toca, de forma significativa, nas questões relacionadas ao nosso dia-a-dia, inclusive enquanto consumidores.

O conceito de normose – a patologia da normalidade – trabalhado em diversos cursos e eventos da Unipaz, tem relação direta com as ideias de consumismo, considerado como uma das patologias da sociedade atual.

Sintetizando, é sempre muito importante lembrar dos conceitos de fragmentação e integração, que sustentam a metodologia de todos os trabalhos da Unipaz e também do CEI. Como proposta de superação à atual crise de fragmentação, a integração busca resgatar, em cada um de nós, a inseparabilidade, interconexão e interdependência que existe entre tudo e todos, incluindo os aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais,  no nível pessoal, social e ambiental.

Num segundo momento do Encontro, fizemos um compartilhar sobre o Natal, suas origens e como tem sido vivido nas nossa vidas pessoais, nas nossas famílias, na sociedade, e em nossa cultura, de uma maneira geral.

Para algumas famílias, o Natal já é um momento de encontro verdadeiro e sem consumismo. Para estas pessoas, o Natal não precisa ser diferente pois a essência da confraternização prevalece. Mas para quem acha que o seu Natal pode e deve ser diferente, reunimos algumas reflexões que surgiram no encontro “Como fazer um Natal diferente”.

Em séculos e séculos de apropriação mercadológica, o Natal, a comemoração cristã do nascimento de Jesus, foi sendo engolida pelo comércio de luzes piscantes a fantasias vermelhas, de pinheiros a bonecos de neve, de ceias fartas a presentes comprados em prestações nada suaves. Perdemos o sentido da data. Pergunte a uma criança qual é o personagem mais importante do Natal e a resposta será Papai Noel. Será que conseguimos trazer Cristo de volta ao seu lugar, como o grande motivo da comemoração?

A data, que segue o cronograma das grandes lojas, começa a ser divulgada tão logo se encerra o Dia das Crianças, no mês de outubro. Afinal, o objetivo é seduzir o consumidor para que ele entre no clima de Natal e que não se esqueça de que “quem ama presenteia, compra, vai a shoppings centers, decora a casa, monta uma árvore, coloca iluminação no telhado”, enfim, que repita tradições, muitas delas corrompidas pelo sistema capitalista, sem saber dos impactos pessoais, sociais e ambientais destas atitudes. A chamada Tensão Pré-Natal, TPN, está por todos os lados, nos congestionamentos que invadem as grandes cidades, nas ruas cheias de gente e de embrulhos, na pressão pelo consumo, nos inúmeros compromissos de fim de ano, nos comerciais que mostram um ideal de família na noite de Natal, com árvores cheias de presentes e muitos sorrisos.


Como podemos ter um Natal diferente, com menos consumo e mais encontro verdadeiro? “Precisamos transgredir a normose”, convoca o psicólogo e escritor Roberto Crema. Sair da normose, denunciada por Crema, significa sair do desequilíbrio, da falta de visão, da falta de escuta e de presença que vivenciamos hoje. Na normose, a pessoa é considerada normal por estar ajustada ao sistema dominante, sem reconhecer que na verdade o sistema está doente. “A grande patologia do nosso tempo é a normose, a doença do não se importar”. E qual a relação entre a normose e o Natal da forma como é vivido atualmente? Por que é normal tanto consumo e desperdício apesar dos impactos de nossas ações consumistas diárias, reforçadas no período natalino, sobre nosso planeta e nossos valores? O Natal pode ser um momento de resgatar a escuta, a presença, nossa percepção de mundo, nossos valores, ver o outro de fato e perceber sua existência de uma forma mais plena e profunda.


Presentes
É errado presentear? Um presente é algo que oferecemos a alguém que temos consideração e apreço. É uma das formas de demonstrar afeto e carinho. E as mensagens publicitárias sabem disso e repetem exaustivamente tal discurso. O que precisa mudar é o entendimento do que seja um presente. Diferente do que o mercado nos coloca, ele não precisa ser comprado, não precisa ser caro, não precisa ser novo, não precisa ser algo concreto, não precisa de embrulho e não precisa de etiqueta. Presente pode ser presença. Podemos sair da normose de compras automáticas e excessivas e estarmos presentes na relação de amizade, de amor, de afeto. Os presentes são apenas um detalhe, um pequeno lembrete de que pensamos em alguém em uma viagem ou data especial. A publicidade quer que seja considerado presente apenas os lançamentos, o que está na última moda e que chega para substituir os bens que já temos e que poderiam nos servir por muito tempo ainda. Mas eles estão com o vírus da obsolescência embutida que faz com que os produtos já nasçam velhos, prontos para serem substituídos, descartados. Assim como temos tornado descartáveis relações e valores.


O que pode ser um presente que faça um Natal diferente?
Pode ser um abraço apertado entre irmãos que nunca se abraçaram de verdade, uma palavra de perdão entre pai e filho, uma carta emocionada para alguém que está distante ou uma relíquia de família – um objeto sem valor comercial, mas que tem muito significado para as pessoas que viveram um história – um compromisso firmado em adotar uma vida mais saudável, abandonar um vício, exercitar o corpo, cuidar de si e dos outros, por que não?
Pode ser um brinquedo usado trocado entre amigos, uma peça antiga, uma viagem, um artesanato, um bibelô trazido de longe, um artigo de primeira necessidade, enfim, algo que faça bem ao corpo e à alma e que tenha sido escolhido com carinho e que seja recebido com um sorriso. Algo que não está na lógica do mercado, não está iluminado nas vitrines nem exposto nos comerciais com Papai Noel. Algo diferente e que faça diferença na vida de quem dá e de quem recebe. Afinal, dar presentes é algo bom, que deixa feliz quem presenteia e quem é presenteado. O presente pode ser o símbolo de um amor, de uma amizade, de uma gratidão, e estes sentimentos não podem ser medidos por números, nem por nenhuma moeda, nem por nenhuma marca. Presentes caros e de grife não demonstram grandes sentimentos, como dizem os anúncios. O que tem valor para mim? Apenas eu sei e também quem me conhece bem. O que é bom para mim é aquilo que eu sei e não o que me diz o anúncio na TV.


O que pode fazer um Natal diferente na hora da ceia?
Como celebrar a vida com base no sofrimento animal? Vegetarianos não são apenas pessoas que não comem carne, são pessoas que não querem depender do sacrifício de outros seres para sua sobrevivência. O Natal normalmente está inserido em uma cultura alimentar com consumo excessivo de alimentos, e com muita carne, sobretudo o peru e outras aves. Mesmo que você não tenha pretensão de se tornar vegetariano pense em um cardápio mais saudável, mais natural e que tenha uma relação com o país em que você vive, seu clima, com frutas da estação. É possível substituir alguns pratos e planejar a festa para que haja menos desperdício, menos impacto ambiental. Você já pensou nisso? É possível encontrar receitas diferentes que surpreenda seus convidados, um cardápio especial, que fuja do tradicional e mostre outros sabores.


As bebidas alcoólicas também merecem uma reflexão. O consumo de álcool é muito grande em datas comemorativas e com ele surgem problemas de saúde e de relacionamento já que as bebidas alcoólicas alteram o comportamento de quem bebe. Pais são exemplo para seus filhos. Comemoração sem excessos é um bom caminho para fazer um Natal diferente. E como voltam para casa os convidados de sua festa após beberem? Anfitriões que se importam com seus convidados devem se preocupar com a saúde e a segurança das pessoas, lembrando que não se deve dirigir depois de beber álcool.


Contar histórias e interagir com as crianças
Como podemos fazer um Natal diferente para nossas crianças? O que temos ensinado a nossas crianças sobre o sentido de dar e receber presentes no Natal? Contando histórias, resgatando acontecimentos do ano que está chegando ao fim. O Natal é também o término de mais um ciclo, e repensar sobre os meses anteriores é um exercício de desenvolvimento interior e de crescimento pessoal. Com jogos, desenhos e teatrinhos com bonecos, podemos tornar o Natal um momento de aprendizado e de diversão para nossas crianças, reunindo toda a família na preparação da festa e da confraternização.


O que há de errado com o Papai Noel? Uma das explicações para a tradição do Papai Noel é que ela foi inspirada em São Nicolau Taumaturgo, arcebispo de Mira na Turquia, no século IV. Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado na chaminé das casas. Foi declarado santo depois que muitos milagres lhe foram atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro. Para alguns, a tradição de Papai Noel modifica o sentido religioso e o propósito verdadeiro do Natal, representando a comercialização da data. Outros ainda acham eticamente incorreto deixar os filhos acreditarem em uma figura inexistente, assim como acontece com o coelhinho da Páscoa.


A figura do papai Noel foi disseminada mundo afora por conta da publicidade de alguns produtos e se consolidou após o seu uso por uma marca de refrigerante. A imagem do velhinho de roupa vermelha passou a ser uma marca do Natal. Mas o Papai Noel é uma figura que nos lembra um avô querido, bondoso, que guardamos em nossa memória com carinho. Para os adultos e crianças, ele remete a uma data feliz e uma noite especial. Podemos imaginar um Papai Noel com outros tipos de presentes: paz, união, amizades… Presentes que fazem a diferença na vida das pessoas. Mas não deixe que o Papai Noel seja o mais lembrado na festa.


Leitura crítica da mídia
Uma leitura crítica dos meios de comunicação e das mensagens publicitárias com as crianças ajuda a fazer um Natal diferente. As crianças recebem as mensagens que estão nos comerciais ou nas novelas da mesma maneira que recebem uma notícia jornalística que narra um acontecimento real. Ou seja, não conseguem distinguir ficção de realidade. E publicidade é ficção, é a foto feita no melhor ângulo de um produto, com maquiagem na imagem e no texto. Discutir com as crianças, principalmente no período de Natal, sobre as mensagens publicitárias, questionando o incentivo ao consumo e sua sobreposição ao verdadeiro significado do Natal, que é o nascimento de Cristo, é um bom caminho. Vale também lembrar da importância do renascimento de valores e comportamentos que foram deixados em segundo plano em função da vida corrida, da busca da praticidade, da falta de tempo e de outras prioridades: esquecemos de cuidar do essencial, das pessoas, dos sentimentos, dos pensamentos.

 

Muitas ideias surgiram com o encontro “Como fazer um Natal diferente”, do grupo Consciência e Consumo:

Escrever cartas (à moda antiga, nada de e-mails) para pessoas da família propondo um Natal diferente.


Trocar os presentes do amigo-oculto por cartões com mensagens escritas pela pessoa. Podemos propor uma forma divertida de encontrar os cartões.


Os presentes muitas vezes não correspondem às preferências dos presenteados. Se você tem proximidade com a pessoa, converse com ele e encontre algo útil e com bom preço.


Participe de campanhas solidárias durante o ano e também no Natal ajudando quem precisa.


Natal não combina com preocupação por isso todo o estresse gerado pelas compras, compromissos e endividamento não são coerentes com a data. Pense em outras formas de comemorar o Natal com sua família, sem gastos e sem conflitos.


Natal é renascimento e reencontro e por isso não é motivo de brigas e desentendimentos. Faça valer a paz todos os dias.


Relacionar os alimentos que são levados para a ceia de Natal com sentimentos e falar sobre eles, agradecer pela oportunidade de nutrir corpo e a alma. Lembrar das receitas das pessoas mais velhas da família ou das pessoas que por acaso não possam estar presente na data mas que serão lembradas pelo sabor de suas criações gastronômicas levadas por outras pessoas.


Levar os principais ingredientes para a festa de Natal: a alegria e a paz. Por isso, nada de brigar com a mãe, o marido ou com o cunhado para que eles façam um Natal diferente. A cada ano é possível fazer uma pequena modificação para buscar uma comemoração sem excessos e com mais intenção e que todos fiquem satisfeitos.
Decoração e ceia sem exagero e sem desperdício, buscando ideias simples e bonitas.


Dê um lugar de destaque para o presépio. Em muitas casas, o menino Jesus se perde em meio à montanha de presentes que fica no pé da árvore de Natal.


Resgatar a história da comemoração do Natal que vem desde a era pré-cristã quando alguns povos já confraternizavam neste período.


Criar tradições dentro da tradição maior que é a comemoração do Natal. Cada família pode manter seus costumes, passados de geração para geração. Pode ser um teatro mostrando a cena do nascimento de Jesus com a participação das crianças, leitura de frases diversas que falem de sentimento e valores, brincadeiras e gincanas que animem a festa e integrem os convidados.


Os amigos-ocultos também são positivos porque os presentes são acompanhados por palavras carinhosas, o que dá um significado bacana ao ato de presentear. É também uma forma de diminuir a quantidade de gastos com presentes já que cada pessoa dá apenas um, contribuindo para uma menor produção de lixo e reduzindo o impacto ambiental. Por fim, também é uma excelente forma de integrar os participantes e perceber o verdadeiro significado de confraternização e de troca.


Você pode fazer um presente, abrir mão de algo que você tem para agradar uma pessoa querida ou comprar em feiras de economia solidária ou comércio local.


Lembrar de nossos vizinhos e funcionários e buscar celebrar o Natal também com eles. Lembre-se que muitas pessoas não moram próximo de seus familiares e vão passar o Natal sozinho. Seja solidário com quem precisa de companhia.


Os presente pedem uma explicação. “Por que eu escolhi este presente para você?” Os cartões podem servir para registrar esta intenção carinhosa.


Um bom presente é dar seu tempo: ajudar alguém a estudar para uma prova, ajudar os pais nas tarefas domésticas, levar alguém ao médico quando necessário.


Cultivar o desapego de bens materiais. Alimentar o simbólico da confraternização.


Enfim, presentes, ceia e decoração de Natal não devem prevalecer sobre o desejo e o esforço das pessoas em buscar uma confraternização verdadeira, de encontro entre pessoas que se importam umas com as outras e querem um mundo de paz.

 

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